no meu silêncio,vejo-te em palavras
BREVE VIAGEM
PELA OBRA DE MARIA JOÃO FRANCO
Não é fácil falar da obra de Maria João Franco,
mesmo para quem julga conhecê-la na sua essência.
Uma obra assim pungente, abismo de verdades inenarráveis,
grita-nos, através das suas formas,
parte da história do mundo,
contendo as dilacerações mais profundas da condenação sisifiana,
tragédias que vêm de longe, dos primórdios, não sei bem donde,
revelando que a vida pode ser feita e refeita,
vezes sem conta,
nascimento ou renascimento,
obra que se constrói e desconstrói
até atingir a soma do que realmente importa:
um «tu não dizes, quanto eu te encontro»
— marca inequívoca e basilar
da incessante procura humana pela eternidade possível.
A obra de Maria João Franco possui um global efeito abstractizante,
contudo, parece interiorizar alguns indícios de uma erudição académica,
denunciando insofismavelmente,
desde logo,
a fuga à iniciação a fim de correr livremente
pela diversidade imagética de um universo plástico muito próprio,
sombrio e agonizante.
Nestas telas, entretanto,
Bacon parece espreitar
. Farreras também mas sem perder as bases da sua identidade.
Este ponto de vista tenta explicar a dificuldade
que temos em separar as influências,
vínculos que são perenes
mas que simultaneamente se afastam (ou mesclam)
pela vivência individual de uma mente peculiar — fruto simbiótico,
talvez nascido entre a diferença e a semelhança,
reflectindo na tela, apesar dos paradoxos inerentes,
uma força telúrica e estranha de cunho antropomórfico.
Mesmo quando a autora representa os nus envelhecidos
por cima da sua intocável frescura.
Maria João Franco consegue dissimular, de maneira esplendorosa e única,
a fecundidade, gerando assim, por meio de uma poesia plástica,
a sua própria e inexorável procura,
onde a semiótica persuade o fruidor a olhar para além da sua própria solidão,
do seu próprio sofrimento.
Aquilo que os nossos olhos costumam reconhecer por defeito,
é aqui, em geral,
representado por oposição,
vivenciando um espaço que
Maria João Franco preenche em pureza,
em oração,
em intimidade.
Talvez um dia
o mundo (re) conheça o notável talento desta
artista portuguesa e universal
e lhe conceda o merecido espaço,
mas, talvez, só depois de fundado um novo mundo,
após destruídas as ruidosas cidades
e falsos paradigmas da nossa sangrenta civilização.
MIGUEL BAGANHA
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