sábado, maio 03, 2008

"tu não aconteces, quando eu te quero"


MARIA JOÃO FRANCO – PINTORA E POETA "TU NÃO ACONTECES, QUANDO EU TE QUERO"
Quando a olhamos pela primeira vez, apercebemo-nos de imediato que estamos perante uma alma feminina marcada. Não de uma forma azeda, como tantas mulheres que se afundam nas suas impotências ou incapacidades, mas de uma forma profunda e reflexiva, de uma forma emotiva, humana e silenciosa.Maria João Franco, esteve recentemente nos Açores, e o seu encanto foi imediato, brevemente irá voltar para cá expor. Ao contrário da maioria dos artistas, tem o dom da palavra e o seu tom de voz grave funciona como um fio condutor, que transporta cada uma das suas palavras, ao local do córtex devido. Porquê essa diferença acentuada em relação à maioria dos artistas plásticos? Resposta enganadoramente simples – trata-se duma pintora poetisa.A sua exposição “Tu Não Aconteces, Quando Eu Te Quero” está patente no Museu da Água é, como não poderia deixar de ser um misto líquido entre a poesia e a pintura –“tu não aconteces, quando eu te quero,Não falas ainda, quando eu te escuto,Tu não dizes, quando eu te encontro,Tempos passados de saber sentido,Tempos esquecidos de saber sofridoNão sabes ainda quanto eu te entendo”“Ao longo de quarenta anos de carreira, Maria João Franco tem vindo a ser uma intransigente pesquisadora de verdades e de liberdades interiores, não cessando de se transformar, mantendo-se, no essencial, fiel a si mesma.” Quem o diz é Álvaro Lobato de Faria, director do MAC – Movimento de Arte Contemporânea ao qual a artista aderiu em 2006, com a exposição “Mulher e Eu”, tendo na altura lhe sido atribuído por este Movimento o Prémio Carreira “MAC´2006”.Iniciou-se a “sério” nas artes plásticas muito cedo, com 15 anos já frequentava cursos de Artes plásticas. Muito influenciada por uma família cujo universo considera “mágico”, com enfoque especial em seu pai – Miguel Franco – reconhecidamente um dos dramaturgos mais importantes da década de setenta em Portugal, pela natureza histórica da sua obra que se confronta então com o espírito do “regime”, e pelo seu marido, Nelson Dias, Professor de Desenho e de Pintura da Escola de Belas Artes de Lisboa, artista que deixou uma inestimável obra de qualidade plástica e uma outra criação na área da banda desenhada, que faz igualmente parte da história de Portugal de Banda Desenhada, também relativa à década de setenta. Dois homens que a marcaram profundamente, quer no plano afectivo, no espaço que naturalmente cada um ocupa, quer no seu desempenho artístico, quer na sua consciência social e postura perante a vida e a morte. E como o sofrimento é o alimento do artista, cada título de cada exposição de Maria João Franco é em si, arte: “A Terra dos Mitos”“ O amanhecer da memória”, “Um olhar de Pele”, "Estórias do Corpo"."Tempo de o Senso e o Ser " “Lírica do nu entre Sombras”, "tu vens tão perto...que a distância existe" e poderíamos continuar, porque as exposições foram muitas, estando certos porém que com apenas os seus títulos temáticos, este texto se embelezaria.“amo-tee os fumos do último atentado ainda não aconteceramamo-tee a luz que nos iluminanão nasceu aindaamo-te, amo-teé a chave do esconderijodos meus sonhose a palavraa senhapara entrar de novono meu canto de hinode novoa alegria.”Esta sua notável sensibilidade, realça uma honestidade nas palavras a que não podemos ser indiferentes. É com a mesma honestidade e frontalidade que fala sobre aqueles que considera “ graves problemas” que afectam a cultura Portuguesa e mais particularmente as artes plásticas. “Um dos maiores problemas que os artistas têm que enfrentar são os “lobbys” das galerias. “A maioria das galerias está exclusivamente vocacionada para vender quadros, e só por esse prisma enaltecem e promovem os ´seus` artistas. Fecham o círculo, apertando-o em torno de um número reduzido de pessoas, algumas efectivamente com qualidade, outras talvez nem tanto, mas assim, fecham-se portas e veta-se à ignorância artistas importantes, por vezes geniais, porque não se encaixam nesse circuito, ou porque estão demasiado embrenhados a produzir obras, ou porque simplesmente não se encaixam”. E continua – isto é muito grave, porque à sombra desta mecânica se vetam ao desconhecimento valores emergentes, mas também ao esquecimento valores reconhecidos e inequivocamente valiosos para a identidade cultural deste povo.”Esta frontalidade, como anteriormente demos a entender nasce com a sua convivência familiar. Tal como se lê na sua biografia -“Uma forte ligação triangular "Miguel Franco - Maria João Franco - Nelson Dias " desencadeia no espírito ainda jovem de Maria João Franco o seu sentido de busca, de procura e de pesquisa.Fortemente marcada pelo "expressionismo abstracto" Maria João Franco segue na senda de Nelson Dias a tendência expressionista quer na abstracção, quer na sua passagem para a figuração.Sentindo como fortes expoentes da pintura portuguesa Rocha de Sousa, Gil Teixeira Lopes, Artur Bual, Luís Dourdil, Júlio Pomar, Resende bebe neles a influência tendo em mira o extravasar de uma pintura de emoções contidas num expressionismo lírico de uma sensualidade quase "aquática" ou meramente fluida que adquire os tons da tragédia atlântica nas suas vagas de tombar profundo.A gravura é outra das suas paixões. Mas a esse respeito, a várias vezes premiada (em 1987 o 1º Prémio de Gravura no concurso de gravura integrado nas comemorações do Ano Internacional do Ambiente Setúbal/Beauvais. Ainda em 97 tem o Prémio de Edição na "IV Exposição Nacional de Gravura" Cooperativa de Gravadores Portugueses / Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa) Maria João Franco denuncia a desvalorização e a recusa da maioria das Galerias em aceitar expor gravuras. “A razão prende-se com o facto da gravura ser mais acessível no preço em relação à pintura a óleo, acrílico ou qualquer outro material. A maioria das galerias teme que o mercado se habitue a adquirir gravuras em detrimento das outras obras que obviamente são mais proveitosas do ponto de vista financeiro.”Contudo, esta artista plástica reconhece não ser este o único problema “a reprodução indevida, em série de gravuras – uma desonestidade – transformam as obras em algo que não era suposto – um produto reproduzível e logo menos valioso. Quando se produz gravuras, as chapas devem ser eliminadas – isso nem sempre acontece.”Quanto ao estado mais geral da cultura em Portugal, é clara a sua posição “ sem cultura não há identidade, e é frágil o apoio, o reconhecimento dos artistas plásticos, e não só, neste país. Muitos, passaram grandes dificuldades, mesmo aqueles que viram o seu talento reconhecido. O que é uma injustiça dolorosa.”Recapitulando – a dor alimenta a alma do artistaA Mãe”Estou triste. O sofrimento enegrece-me a alma. Se eu o pudesse abraçar e passar para mim um pouco de tanta tortura. Como o amor de mãe pode tornar-se em tanta angústia. Já foi. A leveza da criança loira a correr pelo jardim. Já foi o calor morno do colo da mãe. Ainda Maio. E a morte ronda a Mãe. O colo já não é morno. O peito já não é terno. A mãe morre devagar e ainda é Maio e o meu amigo sofre. Quanto do amor, quanto da ternura quanto das memórias lhe guarda o corpo. E ainda é Maio...” Maria João Franco
entrevista por Margarida Neves Pereira para Açoriano Oriental

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