Original Message ----- From: "Maria João Franco"
Shirley,boa noite!
Estamos verdadeiramente atarefados com a exposição de meu falecido marido,que foi um dos maiores pintores portugueses.Agradeço-lhe que comente,como grande letrada que é, caso lhe agrade e tenha tempo, o texto/tese que ele escreveu .
Um beijo
Maria João
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Querida Maria João,
Farei isso com o maior prazer. Obrigada pelo privilégio de ler o texto de um artista tão admirado. Tão logo eu tenha terminado o meu comentário, enviá-lo-ei.Aliás, a tua poesia também é lindíssima. Pretendo incluí-la em um artigo que estou a escrever sobre poesia contemporânea.
Beijos carinhosos
Shirley
Sent: Sunday, September 30, 2007 5:08 PM
Subject: texto Nelson Dias>
Shirley,
boa noite!
Estamos verdadeiramente atarefados com a exposição de meu falecido marido,que foi um dos maiores pintores portugueses. Agradeço-lhe que comente, caso lhe agrade e tenha tempo, o texto/tese que ele escreveu para a prova de agregação como catedrático na FBA-UL .
Um beijo
Maria João
_ Para uma indefinição da arte
Toda a pesquisa tem obrigação de pressupor qual o seu objecto e o que, pelo menos, sumariamente ele é, e de optar por um método que, pelas provas de eficácia já dadas permita progredir no conhecimento do que ele é. Mas o objecto estético, nascido do livre jogo da imaginação, livre até ao arbitrário e que, além de poder dispor de todas as riquezas da natureza ainda pode tirar partido do seu próprio fundo, apresenta-se-nos sempre com uma derrotante diversidade de conteúdos, aparências e categorias. Se, para definir Arte, tivéssemos de utilizar apenas um critério universalmente válido, seria necessário ordenar e conjugar todas as suas particularidades (evidentes e aparentes) e todos os elementos que nela influem de maneira mais ou menos determinante. Tal empresa, porém, torna-se na prática impossível, pois os materiais dados à pesquisa não se apresentam todos no seu conjunto, nem na sua intrincada rede de inter-relações: - os elementos que se mostram ao estudioso como desprovidos de interesse, ou apenas secundários, tiveram muitas vezes, para o artista mais importância do que aqueles que se mostram em toda a sua evidência, dado que os elementos dispersos e aparentemente superficiais adquirem, na sua relação criativa organizada, um sentido que os ultrapassa na sua elementaridade isolada.
(Por isso, qualquer abordagem do fenómeno artístico é sempre complexa e discutível, não só pela pluralidade de perspectivas que consente, mas também pelas divergências direccionais que os argumentos utilizados, com frequência tomam: -a contingência do discurso estético resulta, em parte, do carácter policêntrico do terreno de análise e, principalmente, da variabilidade dos contornos que o seu objecto de estudo foi historicamente adquirindo.)
>> Sendo a Arte um fenómeno que, na sua essência, se foi construindo a partir de uma "praxis" actuante pré-teórica em que as frequentes mutações formais se demonstram com frequência mais importantes do que as suas invariantes, devemos começar por nos interrogarmos sobre a validade dos conceitos disponíveis pela análise do já feito, ou do que se está a fazer e se eles poderão ser caracterizados e ordenados como dados definitivamente adquiridos. Parece admissível supor que, no geral, a resposta será negativa, se, pelo menos, se pretender que os termos teóricos sejam definidos explicitamente por meio de um vocabulário anterior que não comporte outros termos para além dos já verificados. Na indeterminação de campo em que se move o discurso estético, quase só se pode afirmar com segurança, ainda aqui, também relativa, que a Arte existe e que sempre existiu, mas demonstra-se mais incapaz quando se trata de elaborar dela uma definição convincente, com nitidez e abertura necessárias a uma permanente validade temporal. A reserva que se levanta resulta em parte do facto de a Arte diferentemente da sua concepção actual (se é que existe um conceito hodierno de arte conformemente generalizado) não ter tido outrora e até em épocas históricas recentes, uma existência autónoma de uma preocupação estética exclusiva ou mesmo prioritária. (e, entendamos aqui "estética" num sentido suficientemente lato). Apesar de não se pôr de lado a hipótese, nem que seja como mera hipótese, de sempre ter podido o artista, mesmo que num plano secundário ou inconsciente, uma difusa preocupação plástica, ele integrava-se no seio da sociedade cumprindo a sua função com a consciência de que o seu trabalho só seria considerado ao nível do de qualquer outra actividade artesanal e que a aceitação da sua obra seria resultante da eficácia significante a que ela se destinava. A função e a técnica tornavam-se nesta perspectiva objectivantes e as outras categorias limitavam-se a ser elementos mediadores, ainda que essenciais, para atingir a qualidade socialmente exigida: a "Arte" propunha-se então como uma espécie de teofania no interior do "ser colectivo " profundo, em cada uma das suas impressões e operações na base de uma intencionalidade integradora na totalidade do real objectivo e como necessidade de o individuo se identificar com o que ele não é para melhor e mais seguramente se descobrir nos por vezes complexos sistemas de relação sígnica que contribuem para dar sentido e segurança à existência comunitária. Porém, o conceito de qualidade plástica permanecia fechado no âmbito restrito da resposta a questões já conhecidas, segundo códigos pré-estabelecidos e onde a especialidade estética não parecia ter cabimento dominante: paradoxalmente objectivar a visão transcendental do mundo colocando-o ao nível da vivência existencial. Não é de estranhar que para a eficácia do processo fosse necessário haver estabelecido um conjunto de normas conceptuais e convenções tacitamente aceites por tradição, que facilmente permitiam a sua leitura, aceitação e, até, veneração. Porém, não devemos ter ilusões ou permitia a este respeito; a maior parte das leituras que a obra desencadeava ou permitia era muito mais de ordem religiosa ou cultual do que propriamente ou sequer estética. Mas, por outro lado, a importância significante que as imagens adquiriam, continha o destino da libertação expressiva dos significados nelas contidos, das relações entre os homens e estes a as coisas. A submersão das aparências da realidade pelos significados imagéticos estabelecidos demonstrou-se como a via possível da descoberta do universal no particular e como o espaço propício ao desenvolvimento dos valores plásticos dos referentes implícitos nas formas da realidade teologicamente vivenciada. Apesar disso, ou por isso mesmo, continuou a ser possível estabelecer um conjunto de características necessárias para que uma obra de arte se apresentasse como tal; mas quando os artistas e a ainda as embrionárias teorias estéticas falavam de determinados valores, tinham já no seu horizonte qualidades plásticas ou conjuntos especiais delas e principalmente certas propriedades, tais como rigor, expressão, originalidade, perfeição, coerência, unidade formal, etc..É evidente a preocupação de objectividade que está presente neste quadro de valores (em muitos aspectos ainda actual) mas como é fácil constatar, qualquer uma destas propriedades, quando aplicada à fruição de uma obra de arte perde toda a sua eficácia analítica objectiva, pela subjectividade que envolve qualquer destes conceitos. Mas é precisamente através dessa subjectividade dos conceitos, que parece só admitir um muito especial tipo de conhecimento, uma espécie de epistemologia ontológica que determina nos indivíduos uma capacidade para admitir desvios da sua própria vida interior para aceitar conteúdos psíquicos diferentes - a que podemos chamar "empatia estética", de tal modo que cada Um se identifica com o Outro através dos objectos mediadores que lhe servem de expressão. A tomada de consciência deste fenómeno conduz-nos para a tentativa de elaboração de quadros de valores e de conceitos que fixem para sempre as qualidades permanentes da obra de arte.
É natural que nesta base as tentativas de definição da Arte que têm sido elaboradas, pensadas e deduzidas a partir do modo como se foi manifestando. Mas a validade do método tem que ser sempre posta em causa pelas características que esta vai adquirindo no seu processo de produção socialmente integrado.
Com efeito, uma abordagem empirista como a que atrás referimos, não pode admitir a fixação de uma linguagem que resulte dos predicados observados porque neste campo de análise é sempre necessário fazer intervir processos menos estritos e mais envolventes: em certos casos temos que admitir um conhecimento puramente pratico, noutros, deveríamos conseguir formular descrições teóricas mais amplas das regras ou dos elementos determinantes que balizam a prática artística. Assim, e numa perspectiva puramente pragmática, a Arte seria então uma característica de certos objectos produzidos pelo homem enquanto ser inteligente, que se manifesta pela capacidade de produzir nos outros uma emoção ou prazer, a que devemos chamar "prazer estético" e que conduza a um juízo de valor (ou gosto) sobre a obra em si mesma e a partir da sua intrínseca organização formal, cromática, tonal, gráfica e textural, ou seja, do domínio inventivo e expressivo dos elementos próprios da sua linguagem (aqui, apenas da linguagem pictórica). É óbvio que esta tentativa de definição, que julgo no geral, tão aceitável como qualquer outra, enferma das ambiguidades naturais de outra qualquer definição. Por exemplo, quando se diz "uma característica", continua indefinida que característica ela é e quando falamos dos elementos próprios da arte pictórica (ou, pelo menos, dos fundamentais não podemos nem devemos normalizar de que modo eles se podem ou devem organizar para que possam "produzir nos outros" a "emoção ou prazer, a que devemos chamar efeito estético. Além disso, quando se afirma que a pintura utiliza os elementos próprios da sua linguagem com uma "intrínseca organização formal, cromática, etc.", admite-se descontraidamente que a pintura aceita um código ou uma gramática e que as teorias que dizem respeito á comunicação ,possam explicar a Arte. Mas se por "explicar a Arte" se entende caracterizar o fenómeno artístico segundo um juízo de valor, temos que admitir que a expressão pode ser uma apropriação abusiva dos termos das teorias da comunicação porque a pintura talvez possa não ser uma linguagem, ou não é mesmo uma linguagem no sentido mais restrito do termo. Por outro lado, os "juízos de valor" estão tão dependentes da informação, formação e sensibilidade, em suma, do gosto do fruidor que as considerações sobre a qualidade das obras parecem dependentes de factores que lhes são exógenos a tal ponto que frequentemente parece que a "qualidade" se encontra mais no fruidor do que na própria obra.
_ Nelson Dias_ 1991,Lisboa
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